Autora: Natasha Cecchettini, Psicóloga
Parte I
A importância de questionar
Aquilo que é comumente aceite e instituído a respeito da doença pouco nos diz sobre de que forma o adoecimento pode contribuir no sentido de ampliar a nossa consciência sobre nós próprios.
A verdade é que, no decorrer do processo de desenvolvimento da ciência, o conhecimento divulgado e apreendido foi ficando cada vez mais especializado e técnico, e muitas das questões essenciais que eram abordadas lá atrás, no berço de todas as ciências – a Filosofia – foram ficando esquecidas, relegadas a um canto escuro que somente alguns desbravadores em busca da verdade conseguiam iluminar.
Visto que o questionamento destes aspetos essenciais dos fenómenos da Vida há muito foram deixados de lado pelo homem, devemos sempre ter um olhar crítico sobre a ciência moderna e os seus atuais métodos. Todo o avanço tecnológico da medicina, por exemplo, tem certamente uma utilidade, é fruto de muito trabalho de pesquisa ao longo dos tempos. Ninguém negará isto.
Agora, o que nos chama a atenção é o fato de que como a discussão se limita aos diferentes métodos e a sua eficácia, e o quão pouco se fala sobre a teoria, ou a Filosofia sobre a qual tais métodos se baseiam. No entanto, consciente ou inconscientemente, de forma transparente ou oculta, toda intervenção expressa a Filosofia em que se baseia. É preciso buscarmos um olhar mais questionador e mais profundo sobre tudo o que nos acontece para que as experiências nos sirvam para aumentar o nosso autoconhecimento e, com isso, a nossa inteligência emocional. Pode ler também o artigo anteriormente publicado, aqui no blog, com o título “Inteligência Emocional e a Saúde“.
Quando vivemos um fato, um acontecimento, nunca o experienciamos de forma puramente objetiva. Experienciamos os fatos de acordo com o significado que lhes atribuímos, como resultado da forma que o interpretamos com base na nossa “bagagem” de aprendizagens que trazemos da vida. Por exemplo, quando olhamos para um termómetro se observamos de uma forma objetiva a movimentação do volume do líquido de mercúrio num tubo de vidro, isso nada nos traz de resultado, fica sem sentido, sem significado. Somente quando interpretamos tal fato e lhe atribuímos um significado, tal como uma mudança de temperatura (ter febre, ou temperatura acima da normalidade), é que o processo se torna significativo e útil para nós. Quando as pessoas deixam de interpretar os acontecimentos da vida de uma forma que o seu significado lhes seja útil no seu desenvolvimento, mergulham numa profunda sensação de falta de sentido.
Então, uma chave para percebermos as doenças, sejam relacionadas ao trabalho ou a outros aspectos da vida é buscando uma base coerente de interpretação que traga um significado para aquele adoecimento, para que ele assim possa servir-nos como oportunidade de aprendizagem sobre nós próprios.
Desde a época de Hipócrates a medicina académica vem tentando convencer os pacientes de que um sintoma é algo relativamente acidental cuja causa está apenas nos processos mecânicos e materiais do organismo.
Os médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, em geral, evitam cuidadosamente interpretar os sintomas e, assim, condenam a doença à ausência de sentido. Mas não podemos responsabilizar apenas os profissionais, pois, em geral, os pacientes aceitam também essa perspectiva sem se questionar. É interessante pensarmos também sobre o porquê disso acontecer assim, de forma tão passiva.
Quando eu penso sobre isso, sempre me vem a questão: “será que as pessoas querem saber o significado do seu adoecimento? Querem aprender a se tornar auto responsáveis pela sua saúde e outros acontecimentos de suas vidas? Ou será que também não é confortável e conveniente para o ego do ser humano pensar que estas coisas acontecem de forma mais aleatória e que por isso não devem implicar muita reflexão por parte do indivíduo que a vive…” afinal pensar sobre essas coisas dá imenso trabalho, não é? E não é nada confortável… É, pode até ser, mas também é extremamente libertador perceber a verdade e perceber que trabalhando mentalmente nós podemos, ao tomar consciência de aspetos que estavam inconscientes, fazer alterações no nosso corpo.
O carro, a lâmpada e o mecânico
Thorwald Dethlefsen, psicólogo formado na Universidade de Munique e Rüdiger Dahlke, médico e psicoterapeuta, no livro “A Doença como Caminho” abordam essa perspectiva de forma muito interessante e trazem a seguinte analogia:
Imagine que você está num automóvel. Um automóvel possui diversas lâmpadas de controle no painel as quais só se acendem quando alguma função importante não esteja mais funcionando como deveria. Agora, imagine que você está numa viagem e uma dessas luzinhas, das quais você desconhece o significado, de repente se acende.
Talvez você não ficasse nada satisfeito com esse fato e sentir-se-ia na obrigação de interromper o passeio para ver o que se passa. Apesar da inquietação muito compreensível, não faria sentido ficar zangado com a lâmpada, afinal ela apenas nos informa sobre um evento que, de outra forma talvez nem notássemos, ou então demoraríamos muito a notar visto que, para o motorista, ele está numa zona “invisível”.
Se formos inteligentes, entendemos que o fato da lâmpada se acender equivale a um convite para olharmos lá para dentro e tentarmos perceber o que se passa de fato no interior do veículo. E, se tivermos dificuldades em perceber, podemos procurar um mecânico para nos ajudar.
É claro que ficaríamos muito zangados se o mecânico apagasse a lâmpada usando a simples estratégia de retirá-la. Certamente, a luzinha não se acenderia mais (e isso de fato era o que queríamos), mas o modo como o problema foi “resolvido” parecer-nos-ia pior do que incompetência, pois saberíamos que nos traria um problema maior mais à frente, já que o motivo pelo qual a luzinha se acendeu não ficou resolvido e a situação muito provavelmente se agravaria sem percebermos.
Então, o automóvel é o nosso corpo, a lâmpada de controle do painel equivale ao sintoma. O que constantemente se manifesta em nosso corpo como sintoma é a expressão visível de um processo invisível ao qual deseja interromper o nosso caminho através de um sinal de advertência indicando que alguma coisa não está em ordem. Isso deveria nos fazer refletir sobre os motivos por trás do sinal que nos aparece. Seria absurdo zangarmo-nos com o sintoma, por mais incómodo que ele seja, aliás é de fato absurdo simplesmente apagá-lo, meramente impedindo-o de se manifestar, não lhe parece?
Pois é, mas é assim que a questão é tratada geralmente na atual medicina e a maioria dos pacientes fica satisfeito com esse concerto de simplesmente “apagar a luzinha”.
O sintoma deve ser entendido, para assim se tornar supérfluo e não simplesmente ser impedido de se manifestar. Mas para isso é preciso desviar o olhar do sintoma e examinar tudo com mais profundidade para podermos compreender para o que o sintoma está a apontar.
O que acontece no nosso corpo não pode ser analisado separadamente da instância imaterial a que chamamos de consciência, afinal a palavra indivíduo, significa sem divisão. O corpo nada faz por si mesmo, disto podem certificar-se todos, basta observarem um cadáver. Quando as várias funções corporais se desenvolvem em conjunto de forma dinamicamente equilibrada e harmônica, chamamos a esse estado global do indivíduo de saúde. Quando uma ou mais funções começam a agir de uma forma diferente da que antes estava em ressonância com o equilíbrio global do todo, compromete o conjunto, então chamamos de doença.
A Consciência precede a mudança
Desta forma podemos ver a doença como o questionamento de uma ordem até então equilibrada. No entanto, de outra perspetiva podemos ver a doença como o processo que permite levar a consciência a um novo equilíbrio.
Os nossos sintomas têm coisas mais importantes para nos mostrar sobre nós mesmos do que a maioria dos nossos semelhantes, pois (os sintomas) são parceiros íntimos, visto que nos pertencem totalmente e, de fato, conhecem-nos. Isso provoca uma honestidade muitas vezes difícil de suportar, e portanto não é de causar admiração o fato de termos, enquanto humanidade, nos permitido esquecer a linguagem pela qual se expressam. Afinal, é muito mais fácil sermos desonestos. No entanto, recusarmo-nos a ouvir ou a entender os sintomas não fará com que desapareçam. A proposta que faço aqui é de que saibamos ouvi-los e a estabelecer uma comunicação com eles, pois assim podem se transformar em mestres incorruptíveis na busca pela verdadeira Cura. Na medida em que nos disserem o que de fato nos falta a consciência para restabelecermos uma ordem equilibrada.
A diferença entre esta proposta e a proposta comumente aceita é entre lutar contra a doença e transformar com a doença.
A cura acontece exclusivamente pela transmutação da doença e nunca pela vitória sobre o sintoma, tal transformação ocorrerá através da aceitação na consciência de algo que lhe está oculto. Desta forma, a doença não precisa ser percebida como um desagradável desvio do caminho, pelo contrário, pode ser percebida como o próprio caminho para seguir rumo à cura.
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Veja a Parte II deste tema.