Autor: Marcelo Lopes, Psicólogo
Parte I
Inspirar é a primeira coisa que fazemos quando nascemos. Expirar é a última coisa que fazemos antes de partirmos.
A respiração está envolvida em tudo o que fazemos e em todas as funções dos nossos corpos e, no entanto, é incrível como muitos de nós não sabem respirar corretamente.
A respiração é uma das nossas principais fontes de energia. Por curiosidade, a origem da palavra “respiração” tem um significado equivalente ao de “energia vital” ou de “espírito da vida” em culturas distintas. Por exemplo, em sânscrito a palavra é “prana”, em chinês é “qi” (lê-se “chi”), em grego é “pneuma”, em hebraico é “ruach” e em latim é “spiritus”. Porque a nossa língua deriva do latim, a palavra mãe é “spiritus” e, por conseguinte, “inspirar” significa trazer a energia vital ou a força da vida para o nosso interior.
Para os adeptos de yoga, a palavra chave é “prana”, da qual deriva a disciplina “pranayama”, cujo significado e prática consistem na expansão da energia vital através de técnicas de respiração. Ao longo das últimas décadas, a ciência ocidental tem vindo a estudar exaustivamente estas técnicas para confirmar tudo aquilo que uma sabedoria milenar tem vindo a tentar transmitir ao longo de tantos anos. Um conhecimento que agora revive e nos vem ajudar com uma tarefa que realizamos a todo o momento, mas com tão pouca consciência .
Para realizarmos esta tarefa vital, vimos equipados com um par de pulmões que se estende desde a zona das clavículas até às últimas costelas. Se utilizarmos plenamente a nossa capacidade pulmonar, apresentamo-nos saudáveis e radiantes de energia. Estamos, literalmente, mais vivos. A questão é que, nos tempos que correm, não estamos a usar este recurso na sua totalidade. Na verdade, alguns defendem que só utilizamos metade da nossa capacidade respiratória e, se formos analisar, muitos de nós respiram apenas para a parte superior do tórax, ou então realizam inspirações pouco profundas. Como resultado, os nossos níveis de energia baixam e, para compensar, começamos a comer mais e a depender de estimulantes, o que apenas vem desequilibrar ainda mais o sistema. O stress é o principal culpado, como já não é novidade – embora seja cada vez mais difícil repararmos que estamos sob stress. A complexidade dos estilos de vida mais urbanos traz um nível de stress muito subtil e dissimulado, e cuja presença é constante. Sem darmos por isso, estamos a respirar de forma superficial e com um ritmo bastante acelerado.
Falando de ritmo, respiramos em média 10 a 20 vezes por minutos, um pouco mais se estivermos mais ativos, como quando fazemos exercício, e são estes os números que consideramos normais. Contudo, a ciência demonstrou recentemente que o sistema nervoso está mais equilibrado quando respiramos por volta de 5 ou 6 vezes por minuto. Isto vem provar que já assumimos como “normal” uma respiração que é bastante acelerada. Nas palavras de Jiddu Krishnamurti, “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade profundamente doente.”
Respiração e Sistema Nervoso
É legitimo culparmos o stress, mas só porque o vivemos em demasia. O stress, tal como a ansiedade, são respostas saudáveis do sistema nervoso que permitem a nossa adaptação a situações desafiantes ou de perigo. É normal que, face a uma ameaça, o coração acelere, o ritmo da respiração e a temperatura aumentem, e os músculos fiquem tensos. Esta é a metade do nosso sistema nervoso, designada por sistema nervoso simpático, que move todos os nossos recursos internos, gere prioridades, e nos prepara para agir – cheios de adrenalina e com os músculos quentes e ativados, estamos muito mais preparados para a ação. Por isso atribuíram a esta resposta o nome de “fight-or-flight”, luta ou fuga. A gestão dessas prioridades implica também um menor ênfase em funções “secundárias” à sobrevivência, pelo que o sistema nervoso simpático inibe a digestão, a sexualidade, a regeneração e, a longo prazo, a imunidade.
O termo “longo prazo” é a chave. Temos vindo a treinar-nos muito bem para nos mantermos neste modo durante longos períodos de tempo. É fácil perceber porquê: queremos estar sempre preparados, pensar e agir rápido, responder às exigências intermináveis que nos surgem constantemente. No entanto, o que é natural é regressarmos a um estado de tranquilidade e repouso depois de responder a uma situação desafiante ou ameaçadora. Aqui, é o sistema nervoso parassimpático que entra em cena, a metade que é responsável por relaxar, digerir e regenerar – e por isso recentemente terem começado a chamar à sua resposta “rest-and-digest”. Para que isto aconteça, é necessário sentir que o desafio terminou, deixar que o corpo saiba que pode finalmente descansar – este é problema.
O sistema nervoso parassimpático percebe o que se passa no corpo através de um nervo especial designado por nervo vago. Estendendo-se desde o centro do cérebro até à zona abdominal, este nervo recolhe informação através do seu contacto com o intestino, os pulmões e o coração diretamente para o cérebro. E enquanto os sinais vindos desses órgãos indicarem stress, o nervo vago não dá o sinal para relaxar. Continuamos prontos para lutar ou fugir, e não para relaxar e digerir, permanecendo tensos, com digestões lentas ou pouco eficientes, e com uma imunidade baixa. Horas, dias ou semanas podem passar e, em piloto automático, a resposta para parar não surge. É, por isso, necessário tornarmo-nos conscientes e assumir controlo sobre esta função.
“Enganar” a Mente
Quando estamos felizes, é natural sorrirmos. Sorrimos para expressar a felicidade que sentimos no nosso interior. Mas, mesmo se não estivermos, se tentarmos forjar um sorriso, talvez acabemos por nos sentir um pouco melhor. Isto é na verdade o cérebro a ser “enganado” por um processo neuronal, porque os neurónios que processam as emoções estão associados aos neurónios que controlam os músculos da face. Como dizia o neuropsicólogo Donal Webb, “neurónios que disparam juntos, conectam juntos”.
Os nossos cérebros nem sempre conseguem determinar a ordem dos eventos emocionais ou distinguir entre imaginação e realidade. É por isso que também podemos ficar ansiosos por coisas que ainda não aconteceram, apenas por pensarmos sobre elas. Quando uma rede neuronal é ativada, a nossa química interior altera-se – forge um sorriso para gerar mais serotonina, a hormona da felicidade, ou rumine um pouco para fazer subir o cortisol (não aconselhado).
Não é diferente com a respiração. Quando estamos calmos, seguros e felizes, respiramos de uma forma lenta e abundante, enchendo grande parte dos nossos pulmões e dando tempo para absorver o oxigénio. Se estivermos sob stress ou em perigo, tendemos a realizar uma respiração curta, superficial e irregular, de modo a obter oxigénio rápido. Assim, poderíamos assumir que respiramos de acordo com o que sentimos, e isto é verdade, embora o oposto também seja. Se respirarmos de forma plena, as nossas emoções tenderão a acalmar. Começamos a sentir-nos de acordo com a forma como respiramos. A respiração é a única função vital que pode ser controlada conscientemente – se nos esquecermos dela, o nosso corpo assume o seu controlo, mas podemos ser nós a assumir. O piloto automático tem a sua utilidade, como falámos no artigo anterior, mas a tomada de consciência tem aplicações muitos vastas. Porque não paramos de vez em quando e, com curiosidade, escutamos a nossa respiração? O seu ritmo, a sua profundidade, a sensação que a ela se associa. E experimentarmos abrandar gradualmente este ritmo, encorajando um senso de plenitude.
Respirar neste registo pode não parece natural… e é por isso que precisamos de prática e continuidade. Ao longo do tempo, vamos tornando acessíveis os estados mais relaxados de consciência e auto regeneração. De um modo misterioso, o nervo vago pode ser ativado através de uma respiração profunda e lenta, feita de forma voluntária. Quando ativo, ele interage com o sistema nervo parassimpático, levando todo o corpo a relaxar, e é assim que enganamos a nossa mente para relaxar – mesmo que o desafio se mantenha presente. E, para quem gosta de viver em constantes desafios, ou de empreender projetos muito exigentes, saber tornar a respiração um processo consciente é algo fundamental.
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Consulte a Parte II deste tema.