Autora: Natasha Cecchettini, Psicóloga

Na parte I deste artigo, falámos sobre como é preciso buscar um olhar mais questionador e mais profundo sobre tudo o que nos acontece para que as experiências sirvam para aumentar o nosso autoconhecimento e, com isso, a inteligência emocional. Falámos ainda sobre como experienciamos os fatos de acordo com o significado que lhes atribuímos, sendo isto um resultado da forma que o interpretamos com base na “bagagem” de aprendizagens que trazemos da vida.

Percebemos então como podemos ver a doença como o processo que permite levar a consciência a um novo equilíbrio.

Voltar ao início

Para entendermos isto tudo com mais profundidade precisamos voltar ao início, aos nossos primeiros anos de vida quando estávamos a formar a base da nossa consciência. Ao começarmos a dizer eu começamos a “separar-nos” de tudo aquilo que percebemos como não eu, como tu, e ao dar esse passo a consciência torna-se prisioneira da polaridade. 

O eu prende-se então ao mundo das oposições que se divide, não só em eu e tu, mas em bom e mau, em certo e errado, em feminino e masculino, em doença e saúde e assim por diante. A constituição do ego do ser humano faz com que não consiga trazer para a consciência a perceção da Unidade, ou Totalidade. Toda a identificação que se apoia numa decisão deixa um dos polos de fora da consciência. 

Tudo aquilo que não queremos ser, tudo o que não desejamos encontrar dentro de nós, que não queremos viver, e tudo o que não queremos deixar participar da nossa identificação, forma aquilo que Carl Gustav Jung chamou de sombra da nossa consciência, ou o seu verso. A rejeição da metade de todas as possibilidades que percebemos não as faz de forma alguma desaparecer do nosso universo, mas sim apenas as exclui da identificação pessoal ou da identificação efetuada pela nossa mente consciente.

a sombra de uma pessoa

O “não”, na verdade, fez apenas desaparecer da nossa vista um dos polos, mas nem por isso nos livramos dele. Assim, a sombra torna-se o maior perigo para as pessoas, pois todos a temos, sem a conhecer e sem saber que existe. É a sombra que pode providenciar para que todos os esforços e objetivos da nossa consciência se transformem realmente nos seus opostos, se não soubermos reconhecê-la. 

Em geral, o ser humano ocupa-se mais com aquilo que ele não quer, e ao fazê-lo aproxima-se tanto do princípio rejeitado que acaba por sucumbir a ele. Todo o princípio rejeitado tenderá a assegurar que a pessoa viva esse mesmo princípio. Segundo tal lei, quando não se toma consciência deste processo, os filhos adotam mais tarde na vida exatamente os mesmos comportamentos que odiavam na personalidade dos pais… é assim que, muitas vezes, com o tempo, pacifistas se transformam em militantes bélicos, moralistas levam uma vida de dissipação e os fanáticos pela saúde adoecem.

o reflexo de uma pessoa num espelho

Por isso, a recusa em aceitar parte da realidade pode obrigar as pessoas a se ocuparem intensamente com a mesma. Isso, na maior parte das vezes acontece através da projeção, que é um mecanismo de defesa em que se atribui a outra pessoa características e/ou desejos inaceitáveis por ela mesma, é a perceção dos próprios sentimentos e atitudes em outra pessoa. Assim que recusamos determinado princípio e o banimos da nossa consciência, ele sempre irá gerar em nós medo, raiva, irritação ou incómodo quando nos deparamos com ele no assim chamado mundo exterior, ou seja, no outro.

O que está dentro é igual ao que está fora

Como um microcosmo, no universo interior do ser humano existe o reflexo de todos os princípios da Vida, do Macrocosmo. A consciência, na sua relação com o mundo, vive a polaridade, e a sua rejeição de parte das possibilidades a obriga a viver, em algum momento, aspetos de si própria que estavam latentes, ocultos, por um processo de autorregulação. Isso pode acontecer através das doenças e/ou das projeções que geram conflitos no seu mundo interior e exterior de tal forma que, com a ajuda destes, possa tornar-se progressivamente mais consciente de si mesmo.

Quando a pessoa se vitimiza acaba por impedir esse processo de tomada de consciência (autoconsciência). O polo abandonado é expulso para sombra e continua exigindo atenção (é por isso que os sintomas exigem a nossa atenção). A doença é uma forma de expressão desses conteúdos, dessas emoções que foram reprimidas, rejeitadas pela consciência. Assim, o conteúdo se manifesta no corpo como sintoma, como um símbolo de algo que foi deixado de fora pela consciência.

Por meio do corpo todo o sintoma força-nos a viver algum princípio que a consciência deliberadamente havia optado por não viver, e isso, de certa forma, já restabelece um equilíbrio. O sintoma pode ser visto como a possibilidade do homem se tornar mais honesto consigo próprio, porque pode permitir tornar visível o que antes estava invisível. Para isso o mais importante de refletirmos a respeito não é o “porque” ficamos doentes e sim, o “para quê” (pode ler sobre este tema no livro Dor Para Quê, da nossa fisioterapeuta e autora Sara Costa), ou seja, a finalidade do sintoma. O que ele ou nós através dele buscamos trazer para a consciência?

Se o adoecimento aconteceu no trabalho, ou por causa do trabalho, o que falta eu trazer para a consciência em relação ao trabalho, ou às relações que vivo nele?

Para entender o que os sintomas nos querem dizer, ou seja, aprendermos a sua linguagem, precisamos aprender a pensar por analogias, visto que ele se expressa de forma simbólica e assim como quando aprendemos um novo idioma, entender o significado dessa linguagem leva o seu tempo. No entanto, qualquer um logo pode começar a perceber que as pessoas que estão doentes em geral descrevem, junto com os sintomas físicos da doença, algo que lhes falta a consciência. 

Um vê mal, por conta de uma conjuntivite, terçol ou algum problema de visão e precisa ampliar a sua percepção sobre as coisas. O outro está resfriado e “com as coisas pelo nariz”, sente-se sobrecarregado por excesso de trabalho por falta de um posicionamento assertivo, ou porque fica se vitimizando. O outro está com um problema de coluna, ou em alguma articulação e não pode curvar-se por estar rígido demais, o outro não “consegue engolir” por ter uma dor de garganta ou não “consegue se expressar”. O outro sofre de incontinência por não conseguir conter seus impulsos, ou tem uma alergia por acreditar que o ambiente lhe é agressivo, o outro não pode ouvir… e existe aquele que gostaria arrancar a pele de tanto se coçar. Pode ser difícil para a pessoa confessar a si mesma que não gostaria de estar na própria pele e que gostaria de ultrapassar todos os limites. O desejo inconsciente, ou a emoção inconsciente, porém, se concretiza no corpo.

Neste artigo não vamos conseguir abordar a respeito da simbologia de todas as doenças, por isso, o foco aqui é mais em uma nova forma de pensar sobre as doenças e os sintomas, estejam eles relacionados ao trabalho, ou a outros aspectos da vida.

Doença e a Inteligência emocional

Os quatro pilares básicos da inteligência emocional são o autoconhecimento, a autogestão, a empatia e a gestão dos relacionamentos. Focamo-nos até aqui no pilar do autoconhecimento. Agora dar aqui algumas ferramentas valiosas que podem ajudar também nos outros pilares.

Quando algo te tirar do eixo, para conseguir fazer a sua autogestão faça o seguinte:

 

    • Pare – peça para parar a discussão por um tempo para pensar sobre o ocorrido e retire-se,

    • Reflita – pense sobre quais batalhas vale a pena lutar, pense se você não está projetando aspetos da sua sombra no outro e analise o que lhe falta a consciência ou, às vezes, a sua dificuldade também pode ser de saber posicionar-se, se for esse o caso pense sobre como ser mais assertivo

    • observe – depois de passar o calor do momento, procure observar a situação de um ponto de vista mais abrangente, procure compreender e integrar os dois lados observando de fora, e

    • responda – veja qual é a melhor forma de comunicar sem ser agressivo e sem deixar de mostrar o seu ponto de vista.

Em relação a empatia a dica é:

todo o comportamento tem por trás uma necessidade

procure entender a necessidade das pessoas e tomar uma atitude de maior colaboração, ou se a situação pedir um posicionamento firme tenha coragem para fazê-lo de forma assertiva.

Quanto a gestão dos relacionamentos o conselho é para tomar consciência da comunicação afetiva, que significa tomar consciência do afeto que é gerado através da forma como se comunica algo. Em toda a comunicação ocorre a formação de um campo afetivo e essa energia formada por esse campo pode favorecer ou inibir as pessoas a darem determinadas respostas.

Outra dica importante é pensar que as pessoas que mais te irritam ou incomodam podem ser os seus maiores mestres ao ajudarem a tomar consciência sobre aquilo que você rejeita.

James Allan do livro O Homem é Aquilo que Ele Pensa, diz o seguinte:

“O mundo exterior das circunstâncias molda-se ao mundo interior dos pensamentos, e as condições externas, tanto as agradáveis como as desagradáveis são fatores que contribuem em seu resultado final para o bem do indivíduo. Como ceifeiros de sua própria colheita, o homem aprende tanto pelo sofrimento como pela felicidade. (…).

Os homens não atraem aquilo que querem (somente), mas aquilo que eles são”.

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